Pensata

Eliane Cantanhêde

22/04/2009

Vida ou morte

Os 513 deputados vivem hoje numa bolha de ficção, a começar pelo salário de R$ 16,5 mil mensais. Para quem, em tese, tem de trabalhar em Brasília e manter base política e família num Estado distante, mantendo a pose e a desenvoltura, realmente a conta não fecha.

Então, para tudo se dá um jeitinho. E o Congresso é o rei dos jeitinhos para acomodar interesses, multiplicar privilégios e abusar do dinheiro público.

É assim que, atualmente, cada deputado tem, além do salário: verba de gabinete de cerca de R$ 60 mil, para contratar assessores, pesquisas e material útil à produção parlamentar; verba indenizatória no valor de R$ 15 mil, para seus gastos; cota postal de R$ 4.200, para o contato com os eleitores; auxílio-moradia de R$ 3.000, já que moram num Estado e trabalham em outro, ou melhor, no DF.
Mas não para aí. Deputados têm direito ainda a cota de passagens áreas entre R$ 4.700 e R$ 18.700, dependendo da distância do seu Estado, e a gastos de até R$ 5 mil com telefone e de até R$ 6 mil por ano com impressos.

Somando tudo, é uma bolada e tanto. Mas o problema nem é esse, é o fato de que essa bolada pode ser usada a bel prazer de cada um, rolando solta. E tome de nota fria! E tome de duplicação de gasto! E tome de desfaçatez!

Então, só há três saídas combinadas entre elas para tentar dar alguma ordem à bagunça: 1) acabar com "penduricalhos" caríssimos, como a verba indenizatória, que só servem para escancarar a corrupção; 2) aumentar os salários para o patamar aplicado para os ministros do Supremo (R$ 25,6 mil) e manter a verba de trabalho do gabinete; 3) colocar tudo, tintintim por tintintim, aberto à apreciação pública -- via internet, por exemplo.

Ou seja, Sua Excelência terá que fazer como qualquer mortal: viver do próprio salário. E, já que o salário e a verba de gabinete são pagos com dinheiro público, botar tudo isso sob a vigilância direta de quem paga a conta: você, o contribuinte.

O problema é que, com Câmara e Senado na lama, as condições políticas e reais para aprovar o aumento de salários são praticamente nulas. Mas é melhor enfrentar e acabar com a hipocrisia que gera ou amplia os desmandos do que enfiar a cabeça no buraco, como avestruz, e acabar deixando tudo como está. Boas decisões nem sempre são fáceis. Mas às vezes são caso de vida ou morte. É o caso.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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